Blirium C 9 de Gilberto Mendes: observações sobre uma obra de caráter aberto

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Gilberto Mendes no FMCB

O compositor Gilberto Mendes (1922-2016) foi homenageado ao lado de Edino Krieger durante a segunda edição do Festival de Música Contemporânea, em 2015. Um dos pontos altos da participação de Mendes no evento, ocorreu durante o seu concerto comentado, do qual participaram os músicos Fernando Hashimoto, Tamara Goldstein, Brielle Frost, Emerson de Biaggi, Esdras Rodrigues, Lars Hoefs, Luiz Amato, Thais Nicolau e Anna Carolina Sacco.

Dono de um imenso senso de humor o compositor teve a oportunidade de falar um pouco mais sobre algumas das peculiaridades que cercam suas obras e compartilhou também suas principais referências e os objetivos que o guiaram em sua escrita musical.

Festival de Música Contemporânea Brasileira
Fernando Hashimoto e Gilberto Mendes durante o concerto comentado do FMCB 2

Uma das obras abordadas por ele foi o Blirium C 9, peça interpretada pelo percussionista e professor Fernando Hashimoto, peça que surge no momento em que é interpretada a partir da combinação de indicações do compositor e de escolhas do intérprete. Gilberto Mendes explicou que o nome Blirium C 9 é algo que está vinculado com o pop art, e é um nome que lembra remédio:


“Eu mesmo tomava o Librium 10, era um calmante poderoso pra eu poder entrar no avião porque eu tinha muito medo”.


Blirium C9: um breve histórico

Composta em 1965 a obra integra um conjunto ao lado de outras quatro composições – A-9, B-9, D-9 e Blirium Total (Seger e Souza) – que possuem como principal fonte de inspiração a indeterminação e a aleatoriedade. Para Maria Helena Del Pozzo, entre as inúmeras tendências e recursos composicionais que surgem no século XX “a indeterminação foi aquela que provocou maiores mudanças nos conceitos fundamentais – aceitos até então – sobre o posicionamento do compositor, do intérprete e da própria obra”. A autora recorda que no Brasil, os precursores destas técnicas foram os compositores vinculados ao grupo Música Nova, ao qual pertencia Gilberto Mendes.

As partituras desta série possuem um forte diferencial que é o de se sustentar em um conjunto de indicações do compositor que deixa em aberto a possibilidade do intérprete inserir a marcação dos ritmos na partitura. Este “novo grafismo”, como chamava Gilberto Mendes, ganhou notoriedade internacional através de Karlheinz Stockhausen que compôs Aus den sieben Tagen em 1968. O brasileiro certa vez explicou a diferença entre as duas abordagens observando que


“Ele (Stockhausen) tinha por objetivo uma música intuitiva, a ser feita com base num texto de natureza literária. Eu pretendi uma música igualmente aleatória, levada às últimas consequências, mas absolutamente controlada pelo meu texto, nos mínimos detalhes, uma espécie de receita de composição. Compus não a música, mas a “máquina” de fazer música. Deixei para o intérprete a composição da música, por meio da “máquina” que inventei, pelo jogo das possibilidades combinatórias, que ela lhe permite, dos dados da “programação” estabelecida por mim”.


Festival de Música Contemporânea Brasileira
Partitura de Blirium C9

Apesar da certa ideia de controle ofertada pela “máquina” de Mendes, Maria Helena Dal Pozzo chama a atenção para os desafios que a peça impõe aos intérpretes. Segundo a autora o Blirium C9 exige “um treino minucioso, uma vez que não há uma parte fixa a ser executada. O intérprete deve estar apto a realizar as escolhas exigidas no momento da execução, tornando a interpretação fluente. Desta maneira, esta peça torna-se extremamente difícil para o intérprete que não está acostumado às novas grafias e à liberdade de escolha no momento da execução” (Dal Pozzo). Seger e Souza complementam a questão e afirmam que “a experiência de execução de uma obra como Blirium C-9 é, antes, experiência de invenção: rede relacional tecida a cada interpretação, que surge no instante fugidio do tempo e logo desaparece, de volta à sua forma de pura potência, máquina de raios”.

A música que nasce no momento em que é interpretada se abre para inúmeras possibilidades sonoras e analíticas, como a realizada por Seger e Souza a partir do viés da psicanálise onde “a indeterminação presente na obra acaba por remeter à indeterminação mesma que nos constitui”. Composta em um momento de profusas modificações e intenso debate no cenário musical, Blirium C9, segundo Gilberto Mendes “matou o meu desejo finito sobre a música aleatória”.

Blirium C9 por Fernando Hashimoto

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