O violão é um dos instrumentos mais populares do mundo. É a partir do dedilhar de suas cordas que muitos adentram ao universo musical, buscando consequentemente a formalização da linguagem e do estudo sobre música. O professor e pesquisador Carlos Fernando Elias Llanos, defende que o violão é um instrumento-documento, porque carrega uma dependência simbólica entre músico e instrumento, característica que acaba por afetar e ressignificar a ambos. Llanos destaca que violão e violonista são permeados por contextos complexos, como valores sociais, culturais, políticos e econômicos, que também incidem na interpretação que é feita do amálgama formado por executante e instrumento. Deste modo, a figura do músico, e em especial, do violonista esteve bastante ligada, entre os séculos XIX e XX, à vagabundagem, à boemia e à marginalidade “ninguém vivia da música e muito menos tocando violão), com escassa ou nula instrução formal (não havia onde aprender a tocar) e principalmente autodidata (aprendido na prática e na tradição oral)” p. 231. O violonista Humberto Amorim ressalta que o violão era amplamente utilizado em gêneros musicais que sofriam com um forte estigma social como o maxixe, o samba e o choro. Amorim recorda que “Havia uma lenda urbana de que os policiais, nessa época, ao se depararem com sujeitos nas ruas, observavam primeiramente se neles havia ‘calos nos dedos’. Se houvesse, eles seriam levados diretamente para o xadrez” (Revista Continente).
A leitura social sobre a música e o violão começa a se modificar apenas muito recentemente, quando o instrumento é absorvido pelas escolas de música na década de 1980. Neste processo, o compositor Ricardo Tacuchian aparece como uma figura de destaque para a criação do primeiro curso acadêmico de violão, criado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo professor Turíbio Santos. Em entrevista aos músicos Humberto Amorim e Gilson Antunes, Ricardo Tacuchian relembra um pouco do panorama musical enfrentando por ele desde o início da formalização de seus estudos em música na Escola Nacional (UFRJ), no Rio de Janeiro e afirma que as escolas eram muito conservadoras. O compositor recorda, um episódio em que certa vez:
“um aluno da escola, de um outro instrumento, entrou no prédio carregando um violão e isso foi considerado uma coisa absurda. Eu escutei comentários de professores que diziam que a escola não devia permitir que pessoas como essas entrassem no prédio. Eu fiquei chocadíssimo com aquilo, embora não tivesse nenhuma vivência profunda com o violão clássico”.
Entrevista a Humberto Amorim e Gilson Antunes
Ricardo Tacuchian se formou em piano, mas elaborou ao longo dos anos diversas obras multi-instrumentais. Com o seu interesse pelo repertório de Heitor Villa-Lobos, o compositor foi se interessando cada vez mais pelo violão, instrumento para o qual compôs peças destacadas como Dez Prelúdios para Violão, Lúdica II e Evocando a Manuel Bandeira.
O compositor ingressou na carreira docente na década de 1970 e percebeu que a resistência ao violão, que observara em seus anos de estudante permanecia ativa. Segundo ele “o grupo dominante nunca admitiu conviver com um instrumento que tinha a fama de música ‘inferior’. Essa mentalidade sempre me incomodou, principalmente depois de conhecer a obra de Villa-Lobos para o instrumento. A oposição ao violão, na UFRJ, nunca foi ‘oficial’, mas a meias palavras”. (Revista Continente). Esta posição levou Ricardo Tacuchian a uma série de questionamentos sobre o currículo dos cursos de música e dos motivos pelos quais as faculdades não ofertavam uma cadeira de violão, sendo que é um instrumento com forte ressonância na música brasileira. Foi assim que o compositor deu início ao que ele chama de “luta política” (Entrevista a Humberto Amorim e Gilson Antunes) a favor da criação da cadeira de violão na UFRJ. Tacuchian procurou o professor Turíbio Santos para saber se ele aceitava o desafio de encampar a luta pela criação do curso dentro da universidade. Deste modo, o curso de violão da UFRJ, criado em 1980, foi o primeiro voltado para o instrumento no Brasil e é hoje, a habilitação mais procurada no curso de música da universidade.
Ricardo Tacuchian no entanto, considera que não há nenhum tipo de protagonismo seu neste processo. Segundo ele “meu único mérito foi ter tido a sensibilidade de perceber que ‘estava na hora’ (do curso)”. O compositor carioca, que completou 81 anos no dia de ontem (18 de novembro) é “depois de Villa-Lobos, é um dos mais prolíficos compositores brasileiros para violão” (Higino e Peixoto, 2014). Suas composições para o instrumento foram analisadas na obra Ricardo Tacuchian e o violão, de autoria de Humberto Amorim (2014).
Veja a interpretação de Humberto Amorim para a obra Valsa Brasileira, de Ricardo Tacuchian.
Referências Bibliográficas